Resenha Malacara Race 500 – Mundial de Corrida de Aventura na Chapada Diamantina

A sensação é de ter entrado num portal do tempo e saído do outro lado. Cinco dias compactados em um lapso de tempo, como se tudo na vida fosse vivido naquelas cento e poucas horas, com todas as suas emoções, desde o fundo do poço até o céu mais estrelado. A Malacara exige, acima de tudo, resiliência e coragem. Nos reduz a pó e, ao mesmo tempo, nos transforma no mais forte dos guerreiros.
Nossa equipe, a Aventureiros do Agreste, foi composta pelo quarteto que participou de todas as Malacaras, a que esteve junto na alegria e na tristeza, com todos os erros e acertos, com os fundos dos poços e os céus estrelados. Eu (Luciana), Maurício, Vitor e João.

Vou pular a parte da preparação pra corrida, porque todo mundo já sabe que dá um trabalho danado! É investimento em tempo e dinheiro, equipamento, roupa e comida. A família reclama, os amigos também. São meses de treinos e planos. Tudo que é preciso fazer pra dar certo, se faz!

A cidade de Lençóis fervilhava aventura, com uma festa linda, glamorosa, cheia de autoridades, turistas, fotógrafos, atletas, amigos e familiares. Na abertura teve discurso da CEO da ARWS Heidi Muller, que veio do outro lado do mundo pra prestigiar o evento. Muitos amigos como atletas, outros pra ver a largada e participar da torcida. Despencar de suas casas pra torcer e nos ajudar foi de muita generosidade! Foi bom demais ver tanta gente boa por perto, vibrando não só por nós, como pra todas as equipes da Bahia.

Depois de todos os trâmites de entrega de equipamentos e suprimentos, em sacos de “nãoseiquantas” cores e caixas de bike, que seriam direcionados para áreas de transição, deu um certo alívio. Os mapas não foram entregues antes da prova, então, se teve alguém que não dormiu, foi por ansiedade.

Às 8 horas da manhã do domingo do dia 4 de maio de 2025, entramos na área de confinamento dentro do Mercado Municipal da cidade, quando recebemos os mapas 2 e 3, os rastreador e lacramos o celular. Largamos às 9, junto com mais de 50 equipes, com atletas de várias partes do mundo. O primeiro mapa foi entregue 300 metros depois da partida, no coreto da pracinha. Os demais mapas foram distribuídos ao longo do percurso, nas transições.

Estágio 1- 35 km de Trekking

Começamos a prova focados, cheios de energia, fazendo força, arriscando até uns trotezinhos. Seguimos em direção ao Ribeirão do Meio, atravessamos o rio escorregando pelas pedras molhadas e encontramos o PC 1. Depois subimos por uma trilha bem pedregosa até o PC 2, de onde dava pra contemplar uma vista incrível por alguns segundos. Dali em diante, atravessamos um rio, beiramos um outro e pegamos uma trilha de garimpeiro super bacana de correr, até que a trilha terminou numa subida de barranco, sumindo completamente. Algumas equipes foram desaparecendo, outras ficaram ali por cima, tentando encontrar o caminho. A cada tentativa de encontrar o caminho, nos deparávamos com penhascos intransponíveis e fendas gigantes.

Acredito que tenhamos perdido bem mais de uma hora ali, entre idas e vindas. Por sorte, ao contemplar aquele vale lindíssimo, além do penhasco, conseguimos fazer uma triangulação e perceber que estávamos procurando a trilha do lado errado. Depois disso, nem deu pra acreditar que voltamos uns 10 minutos e caímos na trilha que descia pra o PC. E descemos, tentando não perdê-la nunca mais, encontrando o PC 3 junto com a Makaíra de Náru, pessoa que a gente gosta demais de se esbarrar pelo caminho. Primeiro porque ele é forte e navega bem, e segundo porque o bom humor dele é inesgotável. Mas primeira parte boa pode fazê-lo pensar que talvez não seja bom encontrar com a gente. KKKK!

Como o PC 4 foi cancelado, seguimos direto para o 5, por trilhas e estradas completamente inundadas pelas chuvas que caíram nos últimos dias na Chapada Diamantina. Inclusive, numa dessas travessias, tivemos que nadar, pois a trilha continuava do outro lado do rio, com uma correnteza que puxava a gente pra bem longe. João, nosso nadador Ironman Top das Galáxias, entrou primeiro pra nadar, ajudando em nossa travessia. Depois disso, seguimos por dentro d’água o tempo todo, sem trégua para os pés, até alcançar o PC 5, achar a estrada, também alagada e encontrar a Transição num lugar mais alto.

Finalizamos o Estágio 1 com sucesso, embora nosso plano de chegar na AT 1 no fim da tarde tivesse ido por água baixo, literalmente. E quanta água!

Na transição, pegamos tudo que tínhamos que pegar, carregamos packrafts e remos até a beira do rio, enchemos e começamos o trecho de canoagem. Do jeito que escrevi parece até que fizemos tudo muito rápido, mas encher barco demora um pouquinho. Aí a pessoa bate papo, come, resenha com a Makaíra e as meninas da TamoJunto, Denise e Danila, faz um xixi, blá blá blá. Ou seja, se não sofrer não tem graça, e se não tiver graça a gente nem vai!

Estágio 2- 55km de Canoagem

Mudamos para o mapa 2, remando por um rio bastante sinuoso. Contei uns 15km até ar pela ponte da estrada, a uns 3km do início do Pantanal Marimbus, onde seria a nossa prova de fogo! Inclusive, durante o trekking, encontramos algumas equipes fazendo portagem pra começar a remar mais à frente. Mas nós estávamos mais dispostos a descansar os pés, do que enfrentar outra caminhada.

No pantanal, encontramos com várias equipes, que não vou lembrar os nomes, mas a Vaiselascar aparecia inúmeras vezes por perto. O Pantanal é um verdadeiro labirinto, que lhe tira do curso do rio, lhe abduzindo de tempos em tempos. É tudo alagado e repleto de junco, folhas grandes, tocos e espinhos. À noite é ainda pior! Em determinado ponto, precisávamos atravessar da direita pra esquerda, para onde o rio seguia com fluidez. Com o azimute direcionado para a luz de uma casa, seguimos desbravando, rasgando mato no remo. Exceto pelo medo do barco furar, a brincadeira foi divertidíssima e deu muito certo. Quando vimos, estávamos do outro lado, remando pelo rio aberto.

A casa que falei tinha o monte de barcos parados com equipes dormindo nos arredores, mas a coisa não nos atraiu. Preferimos continuar, tendo em vista que a remada começou a evoluir mais a partir dali.
Quando chegamos ao PC 7 o dia já estava claro. Procuramos bastante, descemos do barco, até descobrirmos que não era placa, e sim, uns bancos e mesas. Nos equivocamos com o Racebook. Só que esses bancos estavam submersos. Foi muito estranho! Tiramos a foto, junto com outra equipe, descemos o rio e, quando olhei pra trás, tive a impressão de ter visto uma mesa. Foi aí que encasquetei que tínhamos que voltar, que o que vimos antes não era o PC e seríamos desclassificados. Acabou que convenci todo mundo, exceto Vítor, a voltar pra confirmar se tínhamos mesmo encontrado o PC. Resultado: Remamos, fazendo uma força miserável, acho que por meia hora, até encontrarmos uma equipe, que disse ter certeza de que eram o bancos submersos mesmo.

Que peso na consciência! Podem pensar como me senti depois disso. Pedi mil desculpas ao pessoal, mas não tenho certeza se eles me perdoaram mesmo. Já fui até na Igreja do Bonfim, pedir perdão a Deus por esse pecado.

Depois desse episódio, ainda remamos muito, muito e muito e muito mesmo. Parecia que nunca acabaria, apesar de toda correnteza ajudando. A gente acaba se divertindo com os peixes pulando, os arinhos ando pra lá e pra cá, a paisagem, sabendo que sempre chega, mesmo que pareça infinito.

Por fim, chegamos ao ponto de portagem, entramos na trilha, mas a estrada estava tão alagada que deu pra continuar remando. Babado aquilo ali! A água dava na minha cintura, até começar a subir e a gente conseguir alcançar o PC, que ficava numa pracinha da Vila.

Estagio 3- 55 km de Mountain Bike

Montamos as bicicletas, organizamos o que precisava e seguimos, tentando fazer a transição no melhor tempo possível, porque o tempo não estava sendo nosso amigo. Pelo contrário, parecia voar.

Na descida, indo pra o lugar onde uma balsa nos levaria até o outro lado do rio, uma menina veio me entrevistar com um celular na mão. Bem jornalista! Perguntou como tinha sido tudo até ali, disse que a BMS tinha ado muitas horas antes, o que significava que eu tinha me perdido muito. Não consegui nem me explicar, porque ela mesma concluiu e eu ri pra me acabar! Trouxe verdades!

Enfim, atravessamos, pedalamos por estradinhas até o PC 8, depois seguimos ao PC 9. E confesso que não estava prestando muita atenção no mapa, até que nos perdemos junto com outras tantas equipes. Tinha muito mais trilhas na vida real do que no mapa, trinta mil cruzamentos e bifurcações, subidas, descidas e porteiras. Mas aí, depois de uns 40 minutos, achamos o PC.

Na busca pro PC 10, tomei vergonha na minha cara descarada e prestei atenção! Afinal, o combinado era que os dois navegadores estariam atentos à todo momento. Dali em diante, foi ladeira acima até não querer mais, depois uma descida de asfalto até a entrada de Igatu, e do entroncamento até a Vila, só subida de pedra. Nem sei quanto tempo durou, mas me senti o “pó da rabiola”! Maurício empurrou minha bike por um tempo, eu sofri até lá em cima, sem tirar um tempo de felicidade sequer, com bicicleta e sem bicicleta. Até na ladeira de chegada na Vila de Igatu, que sempre subi pedalando, eu empurrei. Humilhação máster! Ali foi a Malacara me reduzindo a um farelo de pão! Me senti como se não tivesse nem treinado. E olhe que ainda tinha muito chão pela frente!

Igatu (PC 11) é uma Vila toda de pedra, inclusive nas estradas. Foi lá que comemos a coxinha mais gostosa do Universo, do Sistema Solar e das Galáxias! Quentinha e saborosa, equilibrando o patamar sofrimento X felicidade da Malacara. Mas quando encontramos o PC 12, eu já tinha esquecido da coxinha. Tudo bem também! Empurrei a bicicleta por quase toda a descida, até chegar na estrada de asfalto para Andaraí, por onde subimos mais um pouco, pra variar, até a AT.

João controlava nosso tempo de parada, de dormida, de perdidos. Eu confiava e achava tudo bom! Perguntava algumas vezes quanto tempo tinha, reclamava pouco. Afinal, levamos uma planilha com tempos e tudo o que tínhamos que fazer a cada estágio, que a Malacara, como se fosse uma pessoa, puxou a planilha da nossa mão e rasgou ao meio! KKKK!

Estágio 4- 52 km de Trekking

Para encarar o trekking no Vale do Pati, trocamos de roupa, comemos pizza. João checou a possibilidade de dormirmos na AT, antes de sairmos e descobriu que tinha até ar condicionado no salão de dormida. Ô delícia de dormida!

Começamos a subida de 10km, pra entrar no Vale, de madrugada, até descer a Ladeira do Império e chegar em Sr. Joia, o PC 13. Subimos tanto que nem lembro de muita coisa, só lembro que Mamau me ajudou muito com a mochila e chegamos no alto com o dia amanhecendo, a tempo de contemplar aquela vista incrível!

Na casa de Sr. Joia, tomamos Coca-Cola bem gelada e suco de abacaxi, e seguimos pelo caminho errado em direção à casa de Sr. Eduardo. Ai para!!! Chega de caminho errado! Voltamos, seguimos o caminho certo, e escolhemos subir a cachoeira pelo leito do rio, para alcançar o PC 14, como boa parte das equipes fizeram.

Meus pés escorregavam demais, caí inúmeras vezes, machuquei as canelas até onde não podia mais. Em alguns pontos, precisamos nos pendurar por cipós e galhos para avançar. E só depois de muita luta é que conseguimos encontrar o PC 14, que por sinal, poderia ser alcançado facilmente por cima, sem esse sofrimento todo.

Mas aí, chegamos na igrejinha, onde muitas equipes já tinham ado, umas estavam lá e outras tantas viriam. Onde não tinha mais nada pra comer e nem pra beber, exceto 8 cocas, que foram divididas entre os presentes. Lá, fomos fotografados por nosso querido Rafa. Lavamos o rosto rapidinho, eu escovei os dentes e partimos!

Subi a rampa do Mirante do Pati botando os bofes pra fora, com os meninos um pouco atrás, resolvendo alguma coisa. No caminho, deixei a minha mochila de presente para algum deles trazer, tendo em vista a minha situação periclitante! Lá em cima, contemplamos a vista, fotografamos o PC e aproveitamos pra comer, antes de seguir pra Mucugê, a 30 km dali, descendo pelos Gerais do Rio Preto até não acabar mais.

Os meus pés estavam em frangalhos. A quantidade de bolhas perto das unhas era tão grande que peguei o canivete de João e furei todas sem piedade. Abri tudo, coloquei iodo e senti um alívio incrível. As dores diminuíram sensivelmente. E acabei fazendo isso outras vezes, com canivete e com os espinhos das plantinhas que encontrava no caminho. Só não sei se isso foi bom ou ruim, porque aí você anda como nada estivesse acontecendo e machuca mais ainda. Enfim… parti pra brutalidade!

“Se você não tiver com os obrigatórios, Bonini vai pular de uma moita e aplicar uma penalização na equipe”, dizíamos, rindo! “Se você não colocar o colete de prova à vista, Bonini vai surgir da moita e punir a equipe”. De repente, olhamos pra Vitor e “cadê o colete de prova?”. Pense num momento tenso!? Ele gaguejava (“Pe pe ô”), tentando se explicar e nós ficamos naquela agonia, imaginando ter que voltar pra encontrar o colete, num diálogo de um minuto e meio, que pareceu uma hora. De repente, João resolveu olhar a foto do mirante (último PC), pra ver se ele estava de colete. Um verdadeiro rastreamento investigatório! Resultado: ele mexeu na roupa na igrejinha e acabou colocando colete por baixo. Na foto, aproximando na cintura, dava pra ver uma pontinha do colete de prova, que estava debaixo do corpo e a criatura não percebeu. Foi tenso!

amos o dia inteiro no Vale e mais um pedaço lá nos Gerais, até que a noite caiu. A trilha, embora relativamente plana e num azimute só, estava completamente encharcada, sem contar que, algumas vezes, ela sumia de um jeito bem estranho. De quando em quando apareciam luzes de outras equipes pelo caminho.

Quando achamos o PC 18, dentro de um rio, decidimos parar uma horinha pra descansar, mesmo não tendo lugar bom pra deitar, exceto as pedras da beira do rio. Que dormida esquisita! Deitamos todos no sentido longitudinal de umas lascas compridas de pedras, que só fazendo um desenho pra pessoa entender. Cada ombro meu, cada lado do corpo ficava encostado numa pedra, sendo que o meio era um vazio. Não consegui dormir, chamei o povo antes da hora combinada, com a bússola de Vitor dentro de um buraco, vendo a hora de não achar mais e catando minhas coisas que, por precaução, estavam todas presas pelo meu corpo e mochila.

Mesmo acompanhando a equipe pelo Spot, ninguém tem ideia do que a gente vive nessas provas. Pode ser melhor do que os expectadores enxergam, mas pode ser muito pior também. Ali é o lugar onde o filho chora e a mãe não vê, onde as cobras dormem, onde a madeira geme, onde a trilha some! São horas e horas sem civilização, sem uma casinha, sem um lugar pra pedir um cafezinho. Zero contato com seres humanos, exceto nós mesmos. Viramos parte da natureza, mais um bicho do lugar!

Do PC 18 pro 19, a gente perdeu a trilha de novo, junto com outras tantas equipes. Num lajedo, um monte de Bivac laranjinha dava sinais de que a coisa não estava boa pra ninguém. A trilha parecia acabar numa queda d’água. E à noite, o alcance da luz não permitia enxergar muito mais. E era muito navegador que entendia a mesma coisa, ou talvez, um influenciado pelo outro. Como faltava pouco pro dia amanhecer, decidimos pagar mais uma hora de sono pra tentar achar o caminho de dia, descansados.

No lajedo, onde várias equipes descansavam, abrimos nossos bivacs pra dar mais colorido ao ambiente. Olhei se tinha formiga, cobra ou outro bicho, entrei no bivac, apaguei a lanterna e fiquei com a cabeça do lado de fora pra olhar o céu mais estrelado que a minha existência pôde contemplar. De uma imensidão impressionante, adormeci com aquela imagem!

Quando acordamos, nos recompomos, saímos andando e olha quem estava lá?! A trilha! Bastando ar por uma área molhada, cheia de matinhos pisados. Poxa vida, o que podemos aprender com isso? Dorme que a trilha aparece! Contemple a natureza! Lembre-se do céu estrelado! Nem tudo é do jeito que você quer! Você não navega tão bem assim! Não vai dar tempo de chegar sem corte!

Para a nossa alegria, encontramos o PC 19, seguimos pra pegar os X, Y e Z, com mais trilhas chatas pra encontrar, duas travessias com natação, umas fitas estranhas de balizamento, áreas proibidas. E nosso trecho programado para 17 horas de trekking durou mais de 24, chegando em Mucugê na quarta-feira perto do almoço, com a calorosa recepção, cheia de palavras de incentivo, da nossa torcedora Master, Janaína.

Veja bem!! Esses primeiros trechos da prova deixaram a minha autoestima esportiva super em baixa, mas não dava pra deixar a peteca cair. Já ei por coisas piores, e não foi na Corrida de Aventura. Na Corrida de Aventura, eu relaxo, esqueço da vida, pratico o meu Mindfullness na sua essência. É o tempo que a gente tem pra não pensar em nada fora dali. Com tanta prova pela frente, a gente chega e tem um monte de amigos na transição, um monte de gente torcendo pra dar certo, irando aquilo que a gente faz, dá uma energia a mais! De um jeito que o ruim acaba sendo solenemente ignorado.

Na transição, me limpei com lencinhos umedecidos e troquei de roupa. Montei a bicicleta, comi o macarrão delícia oferecido pela organização. Conversei um pouco com os outros atletas amigos e percebi que não fomos só nós que tivemos intercorrências nesses últimos dias. Ah! Essa troca é ótima!

Estágio 5- 30 km de Mountain Bike.

Pegamos a trilha, logo depois de um pequeno trecho de asfalto. Voltei à vida, recuperei minha dignidade, resetei o jogo. Um singletrack gostoso de pedalar, com algumas pedras, mas nada que uma descidinha da bike não resolvesse. Paisagem de tirar o fôlego, vista para as montanhas. Os PCs 20, 21, 22 e 23 estavam à beira da Serra à nossa esquerda. O 24 mais perto das plantações, onde curiosamente, João procurou saber o que era e pra que servia, acho que pensando em fazer algum investimento. Segundo ele, sempre dá pra aprender alguma coisa em qualquer lugar.

O PC 25 ficava mais distante, com trilha um pouco mais fechada, igualmente linda. E pronto! PCs encontrados, amos por uma ponte, chegamos na estrada e alcançamos a transição no início da noite.

Estágio 6- 30 km de Canoagem

Com os obrigatórios à mão, papetes nos pés, comida e água, embarcamos para algumas horas de remada pela Barragem. Depois do PC 26, a concentração na remada se esvaiu, dormi remando por mais da metade do caminho, ao mesmo tempo que sentia um frio horrível com a chuva gelada que caía. Até chegar ao 27, lá no fundão da Barragem, a gente penou! Mau estava com tanto sono que caiu quando desceu do barco pra fotografar o PC. Os meninos juram que viram que ele estava dormindo, ele, por sua vez, disse que nada disso aconteceu.

Nesse PC, encontramos o parceiro de Cassiano, da Carcará, com início de hipotermia. O frio dele parecia bem pior do que o nosso. Vitor e João decidiram acender uma fogueira pra aquecer todo mundo. Eu tremia loucamente, mas me resolvi, vestindo fleece, anorack e a calça impermeável, com segurança de que aquela sensação aria. Nos aquecemos na fogueira, pagamos uma horinha de sono e seguimos.

Seguimos fazendo zig zag pela barragem, porque o sono de Mamau só aumentou. Parecia aqueles tiozinhos do sofá, que dormem na frente da TV e depois dizem que não estão dormindo. O barco ia na direção dos matos e ele dizia que só tinha desconcentrado um pouco. Chegamos a cogitar fazer uma portagem do PC 28 até a transição, mas mudamos de ideia, por unanimidade, ao descer do barco pra fazer a foto do PC. Bora remar!!

E assim, chegamos na Transição cheios de roupas por baixo do anorak impermeável, completamente molhados, para voltarmos a pedalar.

Estágio 7- 16 km de Mountain Bike

A parte mais fácil da prova toda! De roupa seca, que não sou besta, quase pronta pra começar o estágio seguinte. Pedalamos em estradão, depois pegamos o asfalto e, logo, chegamos em Mucugê.

Estágio 9- 78 km de Mountain Bike

Vocês devem ter percebido que pulamos o estágio 8, né? Então… levamos o corte do Trekking de 27 km em Mucugê. Sim! Nosso planejamento de fazer a prova completa, sem cortes já tinha mudado desde o trekking do Pati, ou até mesmo antes disso. Já estávamos trabalhando nas mudanças de planos, sem nos abater em momento algum, sem pensar em desistir, sem choro nem velas.

O mapa desse trecho estava tão grande que planejamos, depois recortamos em 3 pedaços pra caber no porta mapas da bicicleta.

No começo do pedal deu uma leseira danada em Vitor e Maurício, portanto, paramos pra dormir mais um pouquinho. Foi lá que João tirou minha foto, parecendo uma boneca de pano, estirada no chão, com o capacete cobrindo o rosto. Que foto ótima! A que ponto a gente chega!

O PC 38 estava na estrada, perto de uma ponte em reforma. O outro em Guiné, onde equipes se aglomeravam, aproveitando pra comer. Chegamos a parar rapidamente, mas a nossa relação entre paradas estratégicas e perda de tempo estava bem desconectada. Entendi a nossa dormida logo atrás como uma perda de tempo, Vitor entendeu que parar rapidinho pra comprar um salgado pronto era perda de tempo. Mas, de verdade, corri essa prova com o firme compromisso de não brigar com marido, e foi exatamente fiz. Aceitei muito bem as decisões, opinei, mas nunca impondo o que queria, tirando aquela história do PC da água, que até hoje eu peço perdão a Deus!

Achar o 39 também não foi difícil, e nem os demais. Só precisamos de pernas pra pedalar muito, subir umas boas ladeiras e curtir a paisagem. A Chapada é linda demais! Até onde não é tão bonito é lindo! Entre o PC 41 e o 42, encontramos uns terremos pra vender, fizemos e desfizemos planos. João tinha um amigo com terreno lá. E depois de muita ladeira e muita conversa, chegamos em Palmeiras, cumprindo nossa missão até ali.

Estágio 11- 19km de MTB

Várias equipes aglomeravam na Praça onde ficava a Transição. Não fizemos o trekking previsto para aquela área, pulamos pro Estágio 11. Seguimos de bicicleta, chegando a mais de 100km de pedalada de uma vez.

Com os rumores de fechamento do rapel à meia noite, decidimos chegar lá à tempo, mesmo sem ter certeza. Nessa coisa de ouvir qualquer coisa, alguém comentou que tinha uns Gerais no caminho, que fazia frio. Seguimos em busca dos PCs, com atenção plena, exceto por algumas situações loucas que aconteceram com a gente. Nossas distâncias eram sempre maiores na realidade do que em nossas contas, mas consideremos que medir distância na correria, com mapa jogado no chão, no meio da prova, não é lá das melhores coisas, embora coloque todo mundo mais ou menos em condições de igualdade.

Subimos bastante, até encontrarmos algumas equipes, decidindo caminho, logo depois do PC 45. Vitor fez um azimute maluco e saiu pedalando feito doido! Maurício atrás, e João e eu logo em seguida. Até hoje não tem explicação, aquele comportamento. Pedalávamos como se estivéssemos sendo perseguidos por abelhas, em meio a uma trilha super sinuosa, com galhos baixos, batendo no corpo todo. Quando eu conseguia olhar pro mapa, percebia que não batia nada com nada. Minhas mãos ficaram mais machucadas do que em toda a corrida, com cortes feitos pelos galhos. Aquilo foi me deixando com muita raiva! Deu a louca no Vitão!

Comecei a gritar pra todo mundo parar! Dei uma de mãe, fiquei puta da vida! Perguntei que maluquice era aquela! Por fim, voltamos ao mesmo cruzamento, onde restou apenas uma equipe em que o navegador não falava uma língua que a gente entendesse. Um azimute correto nos tirou dali em dois tempos. Só precisamos ar uma porteira, seguir e encontrar o PC e o tal dos Gerais que o fulaninho falou lá em Palmeiras.

O povo chegou até a sentir frio, mas eu, com a menopausa em pauta, gastei meu frio todo na Barragem. Recebemos até um “Good Job!” do navegador da outra equipe.

Não sei se outras equipes tiveram dificuldade, mas algumas fotos dos PCs da prova foram difíceis de identificar. Dava trabalho, tipo “cara crachá”. Tínhamos que parar pra reconhecer mesmo, identificar pedaço de madeira, tipo de cerca, de ponte. Lá em Mucugê mesmo, decidimos tirar foto de duas pontes próximas, pra não correr o risco de perder o PC. Inclusive, fiquei ada com o PC na beira do Rio, com mesas e bancos submersos. Nunca vou me perdoar, mas também, a pessoa tira foto e chove até cobrir os bancos! Eu tenho culpa? Cá estou eu, falando disso de novo!

Pronto! Última foto, PC 47, Vila de São João. Uma gracinha de Vila e uma gracinha de Pousada! Deu vontade de voltar lá, ficar hospedada, longe de tudo e de todos, só tomando banho de rio e curtindo aquele silêncio ensurdecedor!

Conseguimos chegar na AT antes das 23 horas da quinta-feira, onde muitas equipes se aglomeravam, depois de muita subida de pedra pra sair da Vila e alcançar os 2 km de asfalto. Fomos recebidos pelo árbitro da prova, Bonini, que informou sobre o cancelamento do rapel. Nosso tempo de prova estava encerrado ali, entretanto, teríamos que seguir pela trilha, encontrar o PC 64 e cruzar a linha de chegada. Foi então que decidimos comer, dormir e sair pela manhã, já que não havia nenhuma necessidade de pressa, muito menos de descermos pela trilha no frio e na chuva, tendo em vista que não importava o horário de chegada em Lençóis, desde que não extrapolássemos o tempo final de prova.

Comemos misto, chocolate quente, café com leite. Um banho de civilização! Dormimos na frente da pousada, em nossos Bivacs, que nunca foram capazes de nos proteger do frio, conforme prometido. E isso foi motivo de resenha a corrida inteira. Os bivacs que compramos pelo preço dos nossos rins quase nos mataram de frio. E as roupas impermeáveis nunca foram impermeáveis!

Pra variar, fiquei catando um lugar pra deitar, enquanto todos já tinham se acomodado. Precisei empurrar uns bancos de concreto pra abrir espaço pra deitar, porque me recusei a dormir embaixo de Maurício, pois tinha certeza de que ele cairia em cima de mim. E Vitor não quis tirar o banco do lugar, alegando que era muito pesado e que eu cabia numa “frepa” de espaço do lado dele. Enfim. Dormi, choveu, molhou parte dos meus pés, tremi horrores. E percebi que ele (Vitor) me cobriu no meio da madrugada. Deve ter ficado com a consciência pesada.

Ainda chovia ao amanhecer, depois de umas 5 horas de sono, quando os funcionários do restaurante começaram a chegar, assim como o pessoal do rapel, da organização, visitantes. Mais uma vez, comemos na lanchonete o melhor misto de todos os tempos. Melhor do que o melhor misto de todos os tempos da noite anterior.

Quando nos preparávamos pra sair, recebemos a visita ilustre da nossa torcida VIP, Janaína e Tiloca, minha filha linda, que ou a noite toda viajando de buzú de Salvador até Lençóis, só pra ver a mamãe cruzando a linha de chegada. Coisa mais linda!

Estágio 14- 16 km de Mountain Bike até a chegada

Dezesseis quilômetros de mountain bike, por uma trilha de pedra, impossível de pedalar por, pelo menos, a metade do tempo. A tal da trilha do Barro Branco, que liga o Morro do Pai Inácio a Lençóis, que era pra ser um trekking. Eu vou te contar, viu!? Empurrei demais a bicicleta, até chegar em terra firme. Tanta pedra que pedalava 20 metros e descia da bike, até que decidi empurrar até a estrada. amos pelo PC 64, num rio que, apesar de estreitinho, tinha uma correnteza de me arrastar como uma folha.

Aí chegou a estrada do Barro Branco, pedalamos com mais tranquilidade até Lençóis, suas ruas, o rio, a ponte, o pórtico de chegada, as comemorações, os abraços, as fotos e a salinha de estar, dentro do Mercado Municipal, com direito a cerveja gelada e um hambúrguer delicioso, como nos Mundiais que a gente vê no Instagram. Achei chick!

Conseguimos chegar ao fim da Malacara, depois de cinco dias, que pareceram um e, ao mesmo, tempo uma vida. O tempo ou tão rápido, esfarelando com os nossos planos e as nossas expectativas. Tivemos que ser resilientes, que resignificar, reformular, reorganizar, como sempre, porque a Malacara não oferece menos do que isso, desconstrói tudo.

Mudamos os horários de dormidas, mudamos a logística. Sobrou comida, faltou tempo. Eu tive dois dias de baixa, me sentindo a pior das atletas, a pior das navegadoras. Em outros momentos, me senti nada mais do que precisava ser pra chegar até o fim, sem criar expectativas sobre mim e nem comemorar muita coisa. Outras vezes, me achava foda, por nos tirar das encrencas mais loucas, navegando como deveria navegar.

No final de tudo, mesmo muito feliz, tive vontade de ficar quieta e fazer minhas elucubrações, sem interferência externa. Senti como se tivesse acabado de sair do retiro de meditação Viana, aquele que a gente fica dez dias sem falar e sem interagir com ninguém. Tive vontade de correr pra um canto onde não tivesse ninguém, como se fosse um bicho selvagem, acuado pelos carros no meio de uma cidade grande. Parecia que as pessoas falavam muito e alto demais. Parecia que tinha muita gente e muito carro na rua.

Agradeço a esses amigos doidos: João, Maurício e Vitor, que inventam cada maluquice. Nós quatro juntos, somos incríveis! Que bom que estivemos juntos nesses 5 dias!

Valeu amigos! Valeu Aventureiros que ficaram na torcida! Valeu Dudu, Júlia, Márcio, Tila, Catarina, Maurício, Xande, Gabi e Mauro, por se fazerem presentes, no e e na torcida! Meu agradecimento super especial a Janoca, que torceu, esteve conosco nos momentos certos e nos estimulou com as palavras certas!

Um agradecimento à minha treinadora Fernanda Piedade, à minha família, aos meus filhotes!

Agradeço a todos da Malacara, staffs, fotógrafos, patrocinadores, todos que estiveram nos bastidores dessa grande festa, desse Mundial de Corrida de Aventura, que mobilizou a Bahia inteira, voltou os holofotes para o nosso esporte. Nossa equipe sempre fica feliz em participar dessa prova, sem querer perder nenhuma edição. Benito e sua família sempre nos receberam super bem! Somos muito gratos!
E outro agradecimento mega especial ao meu amigo Arnaldo, companheiro de algumas provas, parceiro em nossos projetos, coach nas horas vagas, amigo dos cafés e das resenhas. Um viva pra você, que mobilizou o mundo para que essa prova tivesse esse glamour aqui na Bahia!

Um viva pra Malacara, que nunca decepciona!

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